Dahmer

Monster: The Jeffrey Dahmer story (Netflix by Ryan Murphy, Ian Brennan)

A série é para quem tem nervos. Isso posso dizer incialmente, mas o que mais assusta para além da figura do canibal é como lidamos com nossos traumas, o fanatismo, a religião, fake news e o senso comum. Tudo isso no caldeirão de ácido de Dahmer nos assusta e nos apavora ainda mais. Estamos também na época da AIDS. A série tem um grande mérito em não estimular as comparações entre a fixação compulsiva e maníaca (tornas suas vítimas em escravos sexuais e zumbis para satisfação e poder) de Dahmer à homossexualidade. Advoga, para nosso favor, que sua sexualidade era apenas um componente de sua sociabilidade. Neste sentido, a série faz uma verdadeira investigação do porquê Dahmmer era assim. Corrobora também a vontade inicial do pai (como sempre assume a culpa da falha no filho, mas acaba resvalando na mãe) e da mãe, ao exigir o estudo científico do cérebro de Jeff Dahmer.

Para quem já assitiu a série, a figura de Glenda tem um papel muito importante da ação narrativa e da história em si sobre o canibal americano. Aliás ela desencadeia um pequeno movimento em torno da ação policial – vez que ela denunciou várias vezes as ações suspeitas do vizinho canibal – bem como em nome das mais de 17 vítimas do assassino. A corrupção é um outro assunto que transversaliza bem o preconceito e inação policial.

Há também um forte engajamento do comunidade gay, latina e negra, principalmente esta última. Jeff era branco, que “escolhia” suas vítimas. A pergunta reverbera também dentro da gente: por quê?  

Clique aqui para ver o vídeo:

https://www.corrections1.com/serial-killer/videos/jeffrey-dahmers-last-interview-4YQcLdcsvIkEy8Px

Mais porquês também surgem por conta deste comportamento obsessivo. Somos levados pelas mãos de Ryan Murphy a acreditar piamente no intricado jogo que ele faz sobre a responsabilização dos pais. Especialmente sobre o pai, que oscila entre a culpa e o lucro sobre seu livro. Ele se aproveitou da história macabra de seu próprio filho para ajudar outras famílias ou queria apenas aproveitar o ensejo da fama do filho? Pasmem! Jeff Dahmer recebia cartas de fãs. Cartas fanáticas de admiração e de namoro também; até mesmo com dinheiro. A mídia se aproveitou também do ensejo. Quem se lembra do programa Geraldo? Por fim, quiseram leiloar os pertences de Jeff que estavam no prédio Oxford onde a maioria dos assassinatos ocorreram. Nossa, quanta especulação midiática e fanática orbitou sobre Dahmer. Teve até quadrinhos. A liberdade de expressão, neste momento, foi validada a qualquer custo.

Eu nem vou falar das cenas em que todo o modus operandi dele em relação às suas vítimas é mostrado. Tudo foi documentado, então, o exagero de Ryan Murphy chega a ser irrisório no que andei pesquisando. Há até um vídeo da entrevista dele, ao lado do pai, revelando os meandros de sua psicopatia. Tem até nome para isso, para este prazer em sentir as vísceras, ou no brilho delas. É simplesmente impressionante o tanto de coisas na cabeça de Dahmer.

A atuação de Evan Peters merece elogios não apenas pela semelhança física, mas pela composição da psique do mostro Dahmer. As pausas, a voz embargada mas suave, a postura quase teatral de seus gestos, o olhar que oscila entre o bom rapaz e a dúvida do medo e da ação canibal. Ao acompanhar a série você não cria nenhum sentimento de pena ou reconhece sua rendição ao aceitar Deus no seu coração. Aliás, Peter sempre nos faz questionar por quê, por quê. A figura quase dúbia, o andar que parece um balé só nos mostram o trabalho do autor para construir este execrável indivíduo cênico.

Por incrível que pareça eu não fiquei tão impressionado com a questão do canibalismo, pois a literatura trata disso em alguns romances bem conhecidos (Robinson Crusoé)  – para trazer à tona questões de cultura e inferioridade. O assunto também é cultural, eis que algumas tribos o faziam em rituais próprios e tudo o que já conhecemos. Não a naturalizo. Mas o que me angustiou o tempo todo era o limite entre o são e o doentio; nós do outro lado julgando, mas participando do espetáculo. O fanatismo em relação a figura de Jeff e do outro lado as famílias enlutadas pela tragédia, medo, trauma e preconceito. Tão é esta minha impressão que logo no final, vemos a luta de Glenda ter sido em vão.  

No final, ficamos cheio de perguntas. Mas aí, uma ricocheteia na cabeça: será que o assassino de Jeff Dahmer agiu em nome de Deus?

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