MARTE UM

Não à toa a tragédia da família em Marte Um acompanha a posse do então atual presidente da República. Não à toa o incômodo deste registro histórico me pareceu um prenúncio das auguras nada auspiciosas que esta família passaria. Mas não é apenas um momento de mau pressentimento, representa a vida de muitas famílias em situação financeira delicada em nosso país. E para além deste tom político, Marte I faz um mosaico de questões sociais, trabalhistas e familiares que reforçam os problemas de uma sociedade cada vez mais neoliberal.
É preciso dizer que o núcleo de atores estavam tão integrados, numa forma orgânica que me pareceu tão real e que arrancou suspiros, risos e um choro incontido. A família se centrava, mais ou menos, na vida de um garoto muito inteligente, chamado Deivinho, que era fã de Neil deGrasse Tyler e queria se astrofísico. Seus sonhos alcançavam as estrelas e aportava em Marte. Mas o conflito familiar vinha do pai, membro do AA, e que apostava na carreira de jogador de futebol de Deivinho. Uma oportunidade aparece então, e assim temos uma grande movimentação no arco dramático das personagens.
Antes desse momento, questões bem íntimas se desenhavam neste núcleo familiar. A matriarca Tércia é uma mulher ativa, trabalhadora, mas que começa a enfrentar problemas de ansiedade que se misturam com sentimentos premonitórios ruins. A filha mais velha, Nice, tem dificuldades para revelar sua homossexualidade cuja revelação é bem recebida pelo irmão. O pai é também um típico representante familiar masculino: gosta de futebol, tem o papel de provedor da família evidenciado, cria expectativas sobre os filhos e reforça alguns estereótipos bem definidos. Embora, isso pareça um registro de nossa sociedade, também revela o ponto de inflexão no filme que consiste em questionar todos estes papeis. A figura de Nice surge então como esta personagem forte, decidida e que representa algumas inspirações feministas. Como disse, Marte I tem tantas camadas, tantos assuntos trazidos para nossa reflexão de sociedades, de meios de produção, de distribuição de renda, de liberdade sexual. Tantas coisas, que é preciso rever o filme para sentir a grandiosidade de problemáticas.

Marte Um me arrancou lágrimas pois lida também com temas bem universais. A relação pai e filh(a)o e a questão do alcoolismo trouxeram à tona muitas emoções.
O filme deixa claro sua mensagem ao final, quando contemplamos a esperança nas estrelas. Pode ter um monte de interpretações: a esperança na juventude, viver e realizar nossos sonhos, distribuir melhor nossas riquezas, promover a inclusão social, estimular a educação, respeitar as diferenças…
Eu saí do filme chacoalhado. Mais uma vez, o cinema me trouxe de novo para a realidade, para pensar na nossa contemporaneidade.
Espero que mais filmes tragam questionamentos e que o pano de fundo destas histórias sejam de momentos mais esperançosos.
RECOMENDO!

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